Paulo da Silva Prado

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Paulo da Silva Prado

Birthdate:
Birthplace: São Paulo, São Paulo, Brazil
Death: October 03, 1943 (74)
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil
Immediate Family:

Son of Conselheiro Antônio da Silva Prado and Maria Catarina da Silva Prado
Husband of Francisca Chichorro Galvão and Marinette da Silva Prado
Father of Paulo Caio da Silva Prado
Brother of Maria Nazaré Pacheco e Silva; Marina da Silva Prado; Hermínia Da Silva Monteiro De Barros; Sílvio da Silva Prado; Antonio da Silva Prado, Jr. and 3 others

Occupation: ESCRITOR
Managed by: Private User
Last Updated:

About Paulo da Silva Prado

(1) Paulo da Silva Prado (São Paulo, 20 de maio de 1869 - Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1943) descendente de uma das mais influentes famílias paulistas, filho primogênito do conselheiro Antônio Prado, foi como seus antepassados e parentes, cafeicultor, investidor em negócios (bancos, industrias, imobiliárias) e também mecenas e escritor.

Formado em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco, graduou-se em 1899.

O modernismo brasileiro muito deve à atuação francamente anticonformista de Paulo Prado. Foi um importante mecenas na história do Brasil, grande incentivador da cultura, e também poeta. Teve participação fundamental junto com sua esposa, madame Marinette Prado na Semana de Arte Moderna de 1922, um importante acontecimento envolvendo a história cultural e o movimento modernista no país. Também a ele, embora acompanhado de um grupo grande de adeptos da inovação, se deve a fundação de Sociedade Pró-Arte Moderna - SPAM, ocorrida em 1932 mal terminado o Movimento Constitucionalista.

Escreveu Retrato do Brasil - Ensaio sobre a tristeza brasileira, livro que causou grande polêmica entre os intelectuais e que, constituindo uma das obras básicas sobre a cultura do Brasil, ainda hoje é muito lido e comentado entre sociólogos, antropólogos, professores e estudantes universitários. Na minissérie Um só coração, exibida em 2004 pela Rede Globo, Paulo Prado foi interpretado pelo ator Tato Gabus Mendes.

Retrato do Brasil - Ensaio sobre a tristeza brasileira

Retrato do Brasil: Ensaio sobre a Tristeza Brasileira é uma das obras mais conhecidas de Paulo Prado. Escrito entre os anos de 1926 e 1928, o livro levantava questões acerca da formação da nacionalidade brasileira e fomentou diversas discussões recorrentes até os dias atuais. A obra deve ser entendida à luz do horizonte de idéias que os intelectuais brasileiros comungavam naquele período. Paulo Prado era um modernista e, além de contemporâneo dos movimentos de vanguarda, estava diretamente ligado à produção intelectual e artística da época.

O livro é dividido em quatro capítulos e um post-scriptum. São eles: I – A Luxúria, II – A Cobiça, III – A Tristeza e IV – O Romantismo. Nos dois primeiros capítulos, o autor descreve as características do povoamento e da exploração no Brasil. No terceiro capítulo, Paulo Prado identifica o surgimento de um mal-estar no povo brasileiro, como conseqüência dos fatos relatados nos dois primeiros capítulos. A tristeza que se formou no período colonial se intensifica com o Romantismo, trabalhado por ele no quarto capítulo.

No post-scriptum o autor sintetiza algumas das idéias presentes no livro investindo um pouco mais na questão dos negros e da escravidão. É nessa parte também que o autor deixa explícito a sua metodologia “impressionista” e a relação com outros intelectuais. Além disso, Paulo Prado recomenda e prevê como solução dos problemas, uma revolução. Tal forma de projeção era comum entre os historiadores da época que compartilhavam de uma visão linear da história. Para ele, a revolução“será a afirmação inexorável de que quando tudo está errado, o melhor corretivo é o apagamento de tudo que foi mal feito.” A seguir estão algumas das questões levantadas durante a obra:

Povoamento e Exploração do Brasil

O processo de povoação do Brasil, para Prado, se caracterizou pela relação de diversos fatores, entre eles a ausência de regras morais, em uma civilização considerada selvagem, e de leis ainda não estabelecidas pela metrópole. Essa conjuntura foi terreno fértil para posturas européias extremamente individualistas marcadas pelo sensualismo exacerbado. A presença dos índios somada à natureza nunca vista até então pelo europeu alimentou a fantasia de um paraíso na terra que corroborou para posturas libertinas e uma concepção de que aqui tudo se podia.

Tais comportamentos foram aliados e incentivados com os costumes indígenas, que segundo o autor, viviam entregues aos desejos carnais onde não existia nenhum tipo de pudor. Essa devassidão, trazida pela metrópole já em decadência, caracterizou em grande medida o surgimento do povo brasileiro. Outra característica do explorador europeu era a cobiça e a ganância. Prado escreve que imanados do espírito aventureiro, os mais inglórios dos exploradores buscavam aqui formas de enriquecimento rápido. O descobrimento do ouro foi, dessa forma, enriquecimento dos mesquinhos e, concomitantemente, martírio do Brasil.

A Formação do povo brasileiro

O excesso da vida sensual e da ganância pelo ouro deixou traços permanentes no caráter brasileiro. São cicatrizes profundas que Paulo Prado caracteriza como perturbações psicológicas e patológicas. A exploração gananciosa deixou o povo brasileiro sem energias físicas o que o levou a desenvolver o sentimento de melancolia.

O Brasil se caracterizava, portanto, por uma massa amorfa e sem ânimo agravada pelo sentimento de melancolia. Esse era um ambiente perfeito para desenvolver, de acordo com ele, um mal degenerativo: o Romantismo. Foi nesse contexto que o autor identificou o surgimento de uma consciência geográfica do Brasil e também de pertencimento a uma mãe-pátria. O país nascia sob a invocação de belas palavras apaixonadas e irracionais. Segundo o autor, durante o romantismo no Brasil “tudo avassalou: política, literatura, artes, viver quotidiano, modos de sentir, afeições.”

A questão racial e de miscigenação

Partilhando de concepções racialistas, Paulo Prado não desloca o problema brasileiro para o negro ou para índio, a maior preocupação do autor é com a mestiçagem. Para ele a miscigenação torna o indivíduo mais propenso aos vícios e às doenças.

Além da miscigenação como um grande fator para o fracasso do Brasil enquanto nação, Prado considera a escravidão como um elemento contraditório na formação do país. Pode-se perceber que ele não baseia o problema sobre uma ou outra raça, mas sim a miscigenação ou a problemas de construção social, como a escravidão. Nota-se que as teorias raciais são importantes para o entendimento do livro, porém, não são determinantes, já que o autor adapta essas idéias e usa à sua forma durante a obra. “Uma atitude antropofágica tipicamente modernista.”

Concepção de História na Obra

De acordo com a proposta de Paulo Prado era imperativo o estudo do passado brasileiro para se entender o presente. O processo de povoamento, exploração e criação do país davam bases e explicavam o momento no qual o autor vivia. De certa forma, para complementar essa visão clássica da história, Prado também arriscou apontar caminhos em que o país deveria seguir. Com bases na conjuntura do passado brasileiro, Paulo Prado identifica a propensão do Brasil ao mal da imitação, tanto na estrutura política quanto em “tendências sociais”. Ao avaliar o Brasil como um “corpo anêmico” sem formações sólidas, o autor também diagnostica o problema dos políticos que mesmo bem-intencionados são atrapalhados por uma tradição de “politicagem”. A solução para estes problemas historicamente construídos estão na guerra ou na revolução, de acordo com Prado. Muitos atribuíam a esse livro uma previsão da revolução de 1930 que ocorreria quase dez anos depois, porém, como já foi dito, a projeção era prática comum à concepção de história dos homens daquele período. As observações feitas no livro foram polêmicas e acusadas de pessimistas, o fato é que Paulo Prado enfrentava o desafio de reinventar a nacionalidade brasileira à luz das idéias modernas do começo do século XX, mesmo partilhando das idéias da geração de intelectuais do final do século XIX.

Fonte: WP

(2)Paulo Prado escreveu em 1928 seu famoso livro Retrato do Brasil, que tinha como subtítulo "Ensaio sobre a tristeza brasileira";. A tristeza, o romantismo, a luxúria e o vício da imitação eram apontados como os maiores problemas da nacionalidade.

idealizador e patrono da "Semana de Arte Moderna de 1922"

Escreveu também "Paulistica"

Achei uma serie de artigos sobre o seu principal livro RETRATO DO BRASIL

TRISTEZA TUPINIQUIM: a melancolia brasileira no retrato do Brasil de Paulo Prado

Cláudio Lúcio de Carvalho Diniz

Introdução

Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira (1928), de Paulo Prado, é uma obra que oferece uma reflexão acerca do caráter nacional brasileiro. Sua tese principal é a de que o brasileiro tem um caráter melancólico devido à cobiça e à luxúria nos tempos coloniais e, como agravante, também ao romantismo no século XIX. Contudo, longe de desconsiderar o objetivo do Retrato, gostaríamos de observá-lo no contexto da leitura e reinvenção das idéias que o sustentam.

Para tal intento, nosso trabalho será dividido em quatro tópicos principais. Num primeiro momento cabe avaliar a trajetória intelectual de Paulo Prado. Para tanto, alguns aspectos de sua biografia podem revelar importantes nuances de seu horizonte de idéias. Com isso poderemos estabelecer as matrizes teórico-metodológicas que contribuíram na feitura do Retrato do Brasil.

Em seguida, apresentaremos uma análise da forma e do conteúdo da obra. Isso ficará mais interessante ao confrontarmos essa análise com as críticas prementes às quatro primeiras edições do Retrato do Brasil.

Deste modo, discutiremos as raízes da tristeza brasileira na concepção pradiana. Contudo, abordaremos antes a história do conceito de melancolia como um passo importante no caminho de reconhecer a idéia de tristeza na obra em questão. Busca-se perceber, portanto, o modo como Paulo Prado apropria-se de um tema clássico que é a melancolia e aplica-o à tradição modernista de reinvenção da nacionalidade brasileira.

ecce homo

Paulo Prado (1869-1943) era membro de uma das famílias mais abastadas da aristocracia cafeeira paulista. Recebeu uma educação típica dos grupos sociais cultos e dominantes no Brasil do Segundo Reinado. A formação intelectual de qualquer membro das famílias abastadas no período era indissociável da formação política. Desde muito cedo Prado seria acostumado a pensar neste sentido. O fato de fazer o curso de Direito já lhe outorgava uma autoridade bacharelesca que, não fosse sua excepcional condição financeira, possibilitaria não somente a ele como a qualquer jovem bacharel o ingresso nas funções de mando do Estado. Inclusive o êxito intelectual dependerá, quase que exclusivamente, das relações com estes grupos dominantes. No Brasil, Paulo Prado recebeu uma educação reservada apenas aos grupos dirigentes da sociedade brasileira. Faltava a etapa européia.

Paulo Prado faria sua primeira viagem à Europa em companhia do tio, Eduardo Prado, em 1890. A partir daí começaria uma nova etapa em sua formação. Em companhia de Eduardo Prado freqüentava os melhores círculos intelectuais do momento. O jovem Prado adentrava o jardim das idéias daquele fim de século.

Seja como for, Carlos Berriel chama a atenção para um interessante detalhe: Paulo Prado não participou de nenhuma geração importante como a do seu tio, por exemplo. No entanto, ele é um elo entre o horizonte de idéias do século XIX e as novas idéias modernistas que eclodiriam no século XX. O autor evita uma incursão mais detalhada sobre o papel da geração de 1870 na formação intelectual de Paulo Prado. Contudo, detalha com bastante clareza o papel do pessimismo intelectual no horizonte de idéias de grupo expressas no Liberal do Porto. Esse era, segundo Berriel, um “paradigma de negatividades, sempre apontando para a incapacidade de tratar a realidade em sua dimensão prática e razoável.” Essa herança pessimista, ou visão satânica da nacionalidade e, mesmo da História, será divulgada tanto na obra de Eduardo Prado quanto na de Paulo Prado.

Com a volta da Europa, Paulo Prado fixou residência à partir de 1897 na casa da avenida Higienópolis, palco de famosos salões literários. Seu contato com intelectuais, tanto na Europa quanto no Brasil, o acesso a obras de autores fundamentais, estenderam seu horizonte intelectual e tornaram o jovem diletante milionário num competente empresário, historiador erudito e num mecenas modernista apaixonado pela história e artes do Brasil. À Europa retornaria em outras ocasiões, quando não de fato, pelo menos como reinvenção de pensamento.

O surto econômico desencadeado pela produção cafeeira, em fins do século XIX e início do século XX, propiciou às elites ilustradas de São Paulo e, obviamente, do resto do Brasil, a aquisição de obras de arte modernistas na Europa. A própria produção frenética de obras de arte na Europa, acompanhando a produção de outras mercadorias, cobrava dos mercados periféricos o consumo de seus produtos. Deste modo, países como o Brasil “continuavam de modo desigual dependentes dos cânones e linguagens da matriz culta dominante.” De acordo com Sergio Miceli, o próprio movimento modernista brasileiro destacou-se como “arte nacional estrangeira”. Longe de representar uma alcunha puramente pejorativa, significava também uma estratégia alternativa a um projeto há muito perseguido de arte brasileira. O café animava a produção capitalista.

O retorno de Prado a São Paulo coincidiria com um longo período de investimentos na formação de artistas e produção, exposição e consumo de obras de arte. Da riqueza produzida pela civilização do café, derivou-se um mecenato formado por latifundiários, empresários, banqueiros, funcionários públicos de alto escalão e políticos, interessados em adquirir e produzir artistas e obras. No entanto, engana-se aquele que pensar que esse florescimento das artes em São Paulo estava aberto a todos os artistas ou era patrocinado por todos os aristocratas. Na verdade, o grupo de aristocratas que se divertiam com o mecenato e o grupo de artistas que se beneficiava com essa brincadeira era muito reduzido. Somente uma elite ilustrada e artistas ou intelectuais bem relacionados é que participavam deste movimento renovador. O que se assiste de fato é uma reinvenção modernista que buscou suprir as necessidades de uma aristocracia ávida da novidade européia. A atuação de Paulo Prado foi fundamental para alavancar uma renovação estética em São Paulo, mesmo com um caráter passadista. Sua fortuna e disposição mecênica possibilitaram a aquisição de obras de arte, formação de artistas, aquisição de documentos e livros raros, espaços para exposições etc.

Aliás, segundo os cronistas, a rede de relacionamentos de Paulo Prado com os artistas e intelectuais brasileiros não foi construída apenas em torno dos modernistas. Na verdade, sua relação com artistas e intelectuais começara com os amigos de Eduardo Prado, como Joaquim Nabuco, Eça de Queiroz etc. Durante o curto período em que Paulo Prado exerceu a atividade de mecenas (1897-1939) , esteve ligado, de fato, a muitos daqueles que comporiam o grupo modernista. Contudo, seus laços de amizade eram mais antigos e firmes com Monteiro Lobato, Graça Aranha, Capistrano de Abreu etc.

Em meio a essas atividades, Prado mantinha uma certa regularidade na produção de crônicas no Correio Paulistano, na administração das empresas da família e nos tratamentos de saúde. Infelizmente não se tem registros da correspondência de Capistrano de Abreu com Paulo Prado. No entanto, a julgar pela correspondência ativa do mestre, os dois freqüentemente deviam trocar informações e receitas para o tratamento dos males que acompanhavam a idade. Deve-se lembrar que Paulo Prado iniciou sua carreira como participante e contribuinte do movimento modernista com a idade um pouco avançada. Com quase meio século de vida, apesar de sua formação e rede de relacionamentos com artistas e intelectuais vir de longe, é que participará ativamente da vida artística e cultural do seu tempo.

João Capistrano de Abreu e Paulo Prado deram início a uma longa correspondência (1918 e 1927) que coincide exatamente com o período de maior produção intelectual do segundo. De fato, houve uma relação de ajuda mútua estabelecida entre ambos. Capistrano era um mestre da erudição historiográfica. Basta ler sua correspondência para que salte aos olhos o conhecimento de fontes e referências sobre a história do Brasil.

Sua correspondência desvenda um idoso taciturno, atormentado pela gota ( MEU COMENTARIO - É DOENÇA DE FAMILIA -SEU NETO TEVE TAMBÉM) e por problemas hepáticos que, no entanto, dedicou-se ao seu ofício até o fim da vida. Os dois homens de gênio, apesar do temperamento, sabiam conviver sem conflitos e até se entendiam muito bem. A Rodolfo Garcia, Capistrano elogiava a presteza de Paulo Prado ao levar-lhe para uma estação de tratamento de águas em São Vicente. Numa carta a João Lúcio de Azevedo, em julho de 1925, referia-se a Paulo Prado como:

um rapaz Simples, bem educado, inteligente e instruído. Eça de Queiroz chamava-o uma flor da civilização. Rico, pandegou bastante; depois tomou conta da casa Prado & Chaves e administrou-a galhardamente. Não esperou a herança paterna, conquistou fortuna própria. Parece-me que uma vez por outra perde dinheiro no jogo. Com a idade os acessos vão-se espaçando, e a História do Brasil, especialmente de São Paulo, tem sido um derivativo salutar.

À correspondência de Capistrano para Paulo Prado faltam as cartas escritas pelo segundo. Dispomos apenas das cartas de Capistrano. No entanto, é possível perceber que os dois basicamente falavam sobre preços e depósitos para a aquisição de livros, documentos raros e publicações, locais e receitas para o tratamento da gota e das funções hepáticas e, a partir de 1920, Capistrano assume literalmente a tarefa de mestre. “Para a nossa primeira orientação recomendo-lhe Southey, atrasado quanto à documentação, mas superior quanto ao mais.”

Fica evidente na leitura destas cartas que ocorre um amadurecimento do horizonte intelectual de Paulo Prado a partir das orientações de Capistrano de Abreu. Para Prado toda a sua obra devia-se “à carinhosa solicitude de Capistrano de Abreu (...). Pela sua mão segura e amiga”, afirmava no prefácio à primeira edição de Paulística (1925), “penetrei a selva escura da história do Brasil.”

A visão de história de Paulo Prado não fugia ao clássico enunciado: o conhecimento do passado fornece bases para se compreender o presente e se aventurar em previsões acerca do futuro, Prado via a história como uma linha reta com direção e sentido. As relações de causalidade permitiriam ao historiador projetar uma certa teleologia da história. Em Uma carta de Anchieta (1926), publicado na revista Terra roxa e outras terras, deixava clara a sua reflexão sobre o fardo da história. Segundo Prado, “seria próprio de uma criança (...), seria infantil ignorar o que se passou antes de nós. É o desenvolvimento desse sentimento humano que se chama a paixão histórica.” Somente no culto dessa paixão poder-se-ia compreender o momento atual. A crença numa filosofia da história e num sentido para a mesma se aproximava de um certo idealismo teórico característico da visão romântica presente em sua formação. No entanto, foi na reinvenção de um olhar culturalista sobre a história, que Paulo Prado colocou-se dentro do movimento modernista.

Um ano antes da publicação do Retrato do Brasil, em agosto de 1927, morria Capistrano de Abreu. O choque para Prado deve ter sido intenso, pois imediatamente criou a Sociedade Capistrano de Abreu para homenagear a memória do mestre com uma espécie de centro de pesquisa avançada em história. De acordo com Paulo Prado, Capistrano inaugurou uma nova escola historiográfica no Brasil. Seu trabalho significava uma oposição ao modo Rocha Pita, “criador do insuportável narcisismo nacional (...).”

A atuação de Paulo Prado junto ao grupo modernista de São Paulo prosseguiria até o fim dos anos de 1930. As atividades de mecenas dividiam seu tempo com as atividades empresariais. Prado teve uma rápida passagem pela presidência do Conselho Nacional do Café. Dedicou-se sempre aos negócios da família. No entanto, após um enfarte em 1939, fixou residência no Rio de Janeiro.

Neste sentido, podemos perceber que a trajetória de vida de Paulo prado foi marcada por uma relação paradoxal entre o tradicional e o moderno. Pode ser que, colocando-se entre duas gerações, a de 1870 e a modernista, ele tenha sido um personagem ideal para encarnar esse paradoxo entre o novo e o moderno. Novo demais para ser tradicional e velho demais para ser moderno. Esse é o paradoxo que Prado enfrentou de maneira bastante satisfatória para o seu tempo. Aliar a formação clássica com um certo desejo de ruptura possibilitou ao autor da Paulística e do Retrato alcançar um refinamento historiográfico pouco comum no seu tempo. Mais corriqueiro era, sem dúvida, que a novidade não se tornava menos nova por “revestir-se facilmente de um caráter de antiguidade.” O modernismo, que também inventou a tradição da ruptura, conviveu muito bem com a tradição passadista.

O retrato do Brasil

O Retrato divide-se em quatro capítulos acrescidos de um post-scriptum. Nos dois primeiros, luxúria e cobiça, Prado prepara o terreno onde se assentará o terceiro capítulo, a tristeza. Essa última surge no período colonial e é agravada pelo romantismo no século XIX, assunto do quarto capítulo. No post-scriptum o autor opera uma reavaliação das teses iniciais, apresenta sua metodologia “impressionista” e arrisca algumas previsões.

Nos primeiros tempos do Brasil, segundo Paulo Prado, aportou por aqui um tipo de homem novo, surgido da renascença e movido pela ambição e a luxúria. Esse renascentista experimentou o choque provocado pelo contato com uma natureza “tão nuançada de força e graça” que rapidamente esqueceu os limites civilizacionais da terra natal. Sua paixão infrene, afirma Prado, colocava-o na trilha do ouro e das paixões sexuais. “Aí vinham esgotar a exuberância de mocidade e força e satisfazer os apetites de homens a quem já incomodava e repelia a organização da sociedade européia.”

Nos capítulos em que trata da luxúria e da cobiça, Paulo Prado lança mão de concepções racialistas e, ao mesmo tempo, de concepções modernistas para estabelecer uma análise do espírito aventureiro do colonizador europeu. A visão edênica que povoou as representações mentais do homem do renascimento estava mais balizada com os relatos de viagens como o de Marco Pólo ou com o erotismo oriental das mil e uma noites.

Tais obras não eram tomadas como referência imediata dos aventureiros europeus em terras da América. É pouco provável que patriarcas como Jerônimo de Albuquerque, Diogo Álvares Caramuru ou João Ramalho tivessem lido tais textos. Contudo, eles são parte de um horizonte de idéias que marcou uma época. Poderiam ser citadas aqui diversas obras que compõem esse escopo intelectual do renascimento. De conhecimento geral, talvez a bíblia possibilitasse uma interpretação mais erótica e ambiciosa nos homens que vieram para o território americano no século XVI. O que importa saber é que a aventura portuguesa em terras americanas, para Prado, foi guiada pela utopia do paraíso terreal. Aqui tudo era permitido: a sensualidade infrene, a ambição desmedida.

Naquilo que Paulo Prado chamou de “uniões de pura animalidade”, formou-se uma raça mestiça, totalmente adaptada às agruras tropicais. A união do negro com o índio e o branco “veio facilitar e desenvolver a superexcitação erótica em que vivia o conquistador e povoador, e que vincou tão fundamente o seu caráter psíquico.” No capítulo dedicado à luxúria, Prado se vale de uma série de exemplos para, ancorado em Capistrano de Abreu, afirmar que “moralmente” os colonizadores “já eram mestiços.”

A cobiça também foi outro pecado capital que por aqui se cometeu. “O fragor das armas nas lutas contra infiéis e mouros disfarça os conciliábulos dos mercadores, negociando tratados e contratos comerciais.” Entre os colonizadores, de acordo com Paulo Prado, foi o paulista aquele a empreender a maior aventura pelo sertão brasileiro. Responsáveis pela interiorização do Brasil, esses homens de grossa ventura irão percorrer o interior em busca de minérios preciosos, mais difíceis, e o apresamento dos indígenas, mais abundantes.

A corrida do ouro levaria quase três séculos para encontrar seu eldorado no Brasil. Quando a América espanhola esgotava seu Potosi, em Minas Gerais tinha início as faisqueiras de aluvião. “As fortunas amontoavam-se repentinamente pelo acaso feliz das descobertas.” Contudo, o ouro somente alargaria o fosso entre ricos e pobres.O fausto da corte, o enriquecimento de traficantes, o esgotamento precoce das lavras em meados do século XVIII, foram fatores responsáveis pela falência do Estado e do Sistema Colonial. Para Paulo Prado foi uma questão de pura incompetência. Um legado nocivo à civilização brasileira.

Em umas poucas linhas, Prado faz uma ressalva ao gênio criador de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Talvez este tenha sido o lado artístico do caráter pecaminoso do brasileiro. “Foi o único grande artista que durante séculos possuiu o Brasil.” As duas ou três páginas em que Paulo Prado versa sobre o Aleijadinho foram inseridas por dois motivos: primeiro pelo anterior esboço biográfico, não concluído, pelo tio Eduardo Prado; depois, pelo apelo modernista à reinvenção da arte colonial. Nas duas hipóteses há uma participação efetiva de Paulo Prado. Eduardo Prado foi seu mentor intelectual até sua morte em 1901 e, sem dúvida, o sobrinho conhecia as intenções literárias do tio. Deste modo, quando em 1924 Paulo Prado financia uma viagem dos modernistas de São Paulo a Minas Gerais, realizava-se um projeto quase familiar. Isso fica mais evidente quando Prado afirma que o Aleijadinho foi o “único” artista do Brasil. Há aí um não-dito interessante. Até a geração de artistas daqueles anos 20, na visão de Prado, somente o Aleijadinho possuiu o espírito livre para a criação artística. Prado rompe com o academicismo, enaltece a figura de um tipo mestiço, reinventa a tradição modernista e, assim, revela sua cobiça... no capítulo certo.

Nos capítulos dedicados à tristeza e ao romantismo, Paulo Prado demonstra como a explosão das paixões gerou um mal fisiológico e se agravou com um mal ideológico. A tristeza brasileira gerada pela luxúria e cobiça do colonizador, seria agravada no século XIX pelo ideário romântico.

À ineficiência do Estado português somava-se a dissolução dos costumes. O cruzamento entre as raças deixou marcas indeléveis no caráter brasileiro. No capítulo em que trata da tristeza, Paulo Prado explica através da análise da raça, clima e cultura os males de origem do Brasil. Numa única exceção, o centro de isolamento teria sido São Paulo. Contudo, a mineração bandeirante e mais tarde o romantismo iriam esgotar-lhes as forças.

Sob os auspícios de Rousseau, Victor Hugo e Byron, o século XIX foi inspirado pelo romantismo. “O país nascia assim sob a invocação dos discursos e das belas palavras.” As incertezas daquele início de século – revoluções, inconfidências e independência – eram uma representação do “desequilíbrio das inteligências.” E São Paulo, por sua localização especial foi o “grande centro romântico.” O isolamento e a incerteza “levavam a loucura aos mais incríveis extremos.” A misantropia e o pessimismo dos românticos só fizeram agravar a tristeza brasileira. “Viveram tristes, numa terra radiosa.”

No post-scriptum ao retrato do Brasil Paulo Prado faz uma espécie de síntese dos quatro primeiros capítulos do livro, apresenta sua metodologia “impressionista” e arrisca algumas previsões que lograram êxito com a Revolução de 30. De acordo com Prado, o isolamento do “bovarismo paulista” permitiu-lhe observar o Brasil de ângulos distintos e, deste modo, encontrar “o segredo do passado e a decifração dos problemas de hoje.” Tal visão teleológica do sentido da história encontrava amparo numa metodologia pragmática já antevista em Como se deve escrever a história do Brasil, de Martius.

Longe da “ciência conjetural alemã”, Paulo Prado aproxima-se de um escopo mais libertário na análise da realidade histórico-social. Ao se ocupar da sensação visual, Prado evitava a emoção e a comoção românticas. No quadro impressionista que pintava, Paulo Prado buscava mais as sensações do real do que a objetividade sem limites. Na releitura que empreendeu da obra de Martius, Prado acrescentou à abordagem das três raças sua preocupação com o papel do mestiço, resultado da fusão do branco, negro e índio. Ancorado em concepções racialistas ele via uma inclinação maior do mestiço às doenças e aos vícios, “que é uma interrogação natural indagar se esse estado de coisas não provém do intenso cruzamento das raças e sub-raças.” De certo modo, mesmo com a presença da teoria evolucionista no seu horizonte de idéias, Prado vai mais além e acrescenta uma preocupação com o contexto social das populações negras e mestiças no Brasil. Os horrores da escravidão e suas funestas conseqüências são avaliados à luz de Joaquim Nabuco. A opção culturalista na análise racial, sem dúvida, teve sua orientação em Capistrano de Abreu.

Para um povo que padece de um mal tão perverso, Prado projeta uma nação em ruínas. “O Brasil, de fato, não progride. Vive e cresce, como cresce e vive uma criança doente, no lento desenvolvimento de um corpo mal organizado.” Com uma doença tão terrível, o remédio era quase um veneno: a guerra ou a revolução. Paulo Prado concluía seu livro com uma previsão não tão difícil de fazer naquele fim dos anos 20.

Na verdade é um exagero atribuir a Prado a previsão da Revolução de 30. Em nenhum instante de sua obra, seja paulística ou o retrato, ele sugere uma mudança no contexto interno senão apoiada nas transformações do contexto mundial – “capitalismo, comunismo, fordismo, leninismo.” Sem dúvida, sua projeção para um contexto histórico em mudança estava correto. No entanto, Prado nunca chegou a mencionar a ascensão de novos grupos sociais liderados por um gaúcho. Pensamos que seria um erro acreditar que Paulo Prado possuísse uma bola de cristal. A projeção histórica era uma prática comum neste tipo de historiografia, a previsão era um erro. Prado, como já foi mencionado, acreditava numa visão teleológica da história, mas sua sina de adivinho era um engano dos que se encarregaram da sua obra.

O Retrato do Brasil, como indica o subtítulo, foi escrito em forma de ensaio. Pode-se facilmente tomar cada capítulo em separado que, ainda assim, teremos à mão um trabalho completo. A forma adotada por Prado permite um número maior de questionamentos posto que a elaboração do enredo acompanha o suporte formal. De certo modo, as “impressões” do autor diagnosticam mais do que curam. Forma e conteúdo se interagem para oferecer ao leitor uma possibilidade de análise num tropo bastante polêmico. O Retrato do Brasil é a imagem trágica do “paraíso terreal.” Em seu tempo foi uma obra inovadora e polêmica, para a historiografia brasileira foi o momento inaugural de uma era de grandes ensaios.

A recepção do Retrato ainda permanece como uma abordagem ignorada pela crítica historiográfica brasileira. É claro que se deve considerar umas poucas exceções. Carlos Augusto Calil, na edição crítica do livro, oferece um levantamento da fortuna crítica das três primeiras edições. Contudo, o debate e o enfrentamento dessa questão ainda está por ser realizado com maior contundência. Trata-se de buscar compreender os processos de formação de sentido em condições históricas diferentes ou nas mesmas em que se produziu a obra.

O perigo da generalização era o mote central de quase toda a crítica ao retrato do Brasil. Cerca de 80% dos artigos sobre o livro foram publicados pela imprensa carioca e, desses, quase 100% eram categóricos ao apontar a “falha” do livro. Para Jackson de Figueiredo era preciso encontrar a “explicação da tristeza brasileira em causas mais essenciais, mais vastas, mais profundas que nos acidentes mórbidos da colonização.” O próprio papa do otimismo edênico, o conde Afonso Celso, chamava a atenção para o fato de que não foram “vícios peculiares ao Brasil os apontados pelo sr. Paulo Prado e dos quais proveio, segundo ele, a falta de alegria do nosso povo.” Seja como for, o Retrato do Brasil provocou, e acreditamos que ainda provoca, um reação interessante por parte de seus leitores. Quer se concorde ou não com os juízos emitidos por ele, o fato é que isso o coloca entre as obras mais importantes da historiografia brasileira

Raízes da melancolia

Os estudos acerca da melancolia colocam-se na fronteira entre a fisiologia e a filosofia. É certo que os males físicos, como enunciado por Hipócrates de Cós, provocados pelo excesso da “bile negra” seriam mais perceptíveis que os “males da alma”. Contudo, o agravo do quadro psicoclínico dá-se em função da condição melancólica.

Recorrer ao universo das idéias que pleiteavam em épocas anteriores é buscar entender uma concepção física por vezes estranha aos olhos de hoje. É necessário entender que há uma diferença entre a melancolia clássica e a moderna doença conhecida como depressão. A melancolia é não só uma doença, é uma condição existencial que remete o acometido por ela ao jogo implacável do tempo. A depressão é uma condição clínico-psicológica “para a qual concorrem fatores biológicos, freqüentemente genéticos, e agravos de natureza psicossocial.” Noutras palavras, a melancolia, diferentemente da depressão, é um questionamento de ordem espiritual. É uma doença mas não só. Ultrapassa os limites do sintoma físico e se ocupa do próprio questionamento acerca da existência.

O enfrentamento desse problema está relacionado ao amplo debate acerca da melancolia no horizonte filosófico da humanidade há mais de vinte séculos. Da antiguidade aos dias de hoje existe um sem número de trabalhos (em suportes diversos) dedicados a explorar o tema. Nosso objetivo neste texto é explorar o modo como Paulo Prado se apropriou do conceito de melancolia. Definitivamente não queremos propor uma história intelectual da melancolia senão uma história intelectual da construção da idéia de melancolia ou tristeza no Retrato do Brasil.

Os primeiros trabalhos no ocidente que trataram especificamente do quadro psicoclínico da melancolia aparecem entre os gregos da antiguidade clássica. Certamente Hipócrates de Cós e Aristóteles foram pioneiros e exploraram com maior clareza essa questão. Compreender a concepção física da época é a tarefa que dificulta a leitura de seus trabalhos. O primeiro é quase uma lenda pois não há uma unanimidade acerca da veracidade de sua biografia e muito menos de que os trabalhos a ele atribuídos foram escritos por ele mesmo. Mesmo assim, naquilo que a ele se atribui, afirmava que a “perda de amor pela vida” ou melancolia era uma doença. Já Aristóteles, no famoso Problema XXX, vai mais além e diz que “todos os melancólicos são portanto seres de exceção, e isso não por doença, mas por natureza.” É preciso que fique esclarecido que, segundo Aristóteles, nem todos os melancólicos são homens de gênio, são os homens de gênio que possuem uma natureza melancólica. A melancolia estaria sob o signo de saturno, governador no corpo humano do baço, sede da bile negra.

Durante a Idade Média a melancolia era pensada como um grave pecado: a acédia. A indiferença do homem em relação a Deus era tão grave quanto a cobiça ou luxúria. A tristeza crônica, quando manifestada, era coisa do demônio. Com o enfraquecimento do papel da Igreja a acédia passa a ser considerada um caso a mais de melancolia. A acédia prostrava o homem enquanto a melancolia permitia a produção intelectual e artística. Para Scliar a melancolia retorna num contexto de ascensão do individualismo renascentista.

A partir do século XVI multiplicam-se as obras acerca da melancolia na Europa. A psicologia, surgida na época moderna, permite a um grande número de pensadores, médicos e artistas a discorrerem sobre o assunto. Quase todos consideravam-na um mal grave e, no entanto, o questionamento existencial que suscitava dava-lhe uma característica especial: era o mal dos gênios. Somente com o espraiamento de um modelo asséptico de se pensar o corpo, no século XIX, é que surgirá o termo depressão para caracterizar a melancolia. Mesmo assim, muitos ainda se debruçarão sobre o assunto. Panofski, Saxl e Klibanski, Walter Benjamin, Joaquim Manuel de Macedo, Charles Baudelaire, Freud, Paulo Prado, Moacyr Scliar... só para citar alguns.

Consideramos que no caso do Retrato do Brasil, a principal obra que orientou a reflexão de Prado sobre a tristeza brasileira foi A anatomia da melancolia (1621) de Robert Burton. O vigário inglês pretendia operar uma verdadeira dissecação mental do caráter melancólico. Burton, que obteve um grande êxito com a venda de seu livro, também acreditava que a melancolia era uma característica da genialidade.

Apoiando-se no maior número possível de autores que trataram da melancolia desde a antiguidade até a sua época, Burton evocava uma visão individualista típica do Renascimento. É uma obra vastíssima, composta de centenas de páginas em que, não fosse o fato do autor escrever tão bem, causaria tédio pela sua prolixidade e excesso de citações. No entanto, ao que interessa a esse trabalho, Burton considerava que a melancolia poderia ser contagiosa. O clima, o sexo, o amor, a ânsia, poderiam provocar tristeza em populações inteiras. Aqui, como já o apontou Moacyr Scliar, encontra-se a conexão entre a obra de Robert Burton e a obra de Paulo Prado. “A melancolia também pode disseminar-se – uma espécie de contágio psíquico –, dominando o clima de opinião e a conjuntura emocional em um grupo, uma época, um lugar.” De fato, foi esse homem surgido da renascença, com tal predisposição à melancolia, que conquistou o mundo americano no século XVI.

A anatomia da tristeza

Paulo Prado acreditava que o brasileiro possuía uma predisposição, quase natural, à tristeza. Esse é o crédito da obra de Burton. Contudo, no escopo das idéias, acreditamos que duas vertentes de pensamento foram fundamentais para que Prado pudesse elaborar seu enredo: o racialismo e o modernismo. O modo como Prado reinventa a tradição dentro do pensamento modernista é o foco deste trabalho.

De acordo com Lilia Moritz Schwarcz, em fins do século XIX, junto ao discurso liberal, colocava-se “um modelo racial de análise, respaldado por uma percepção bastante consensual.” Consensual até demais, posto que a argumentação racialista era expressa principalmente através de modelos de análise estranhos à realidade brasileira. Obviamente deveriam ser adaptados... e foram! De fato, essas idéias representavam visões “de fora”, quase sempre equivocadas, da realidade nacional e seu eurocentrismo precisou ser amenizado por alguns de seus principais defensores no Brasil.

Um ponto fundamental acerca da influência dos modelos raciais de análise no Brasil é a forma como se adaptaram, atualizando o que era propício e descartando o que era problemático. Isso fica claro na leitura do Retrato do Brasil que, registre-se, não era um manual racialista. Apesar da vigência desses modelos de explicação racial nas análises de Paulo Prado, a sua adaptação é evidente na análise da mestiçagem brasileira. Esse momento marcante, o da colonização, de acordo com Prado, refletiu a fusão do português , do negro e do índio em várias vertentes raciais específicas. “Por essa época já devia ser intenso o processo geral de cruzamento, ramificando-se nas mais variadas designações: mamalucos, mazombos, crioulos, mulatos, curibocas, caboclos.” Paulo Prado lança mão de um escopo teórico heterodoxo no que tange à análise da raça brasileira. Escopo que percorre, até mesmo, períodos anteriores à vigência dos modelos racistas no pensamento social brasileiro.

No Brasil, deve-se levar em consideração a oposição entre explicação racial e explicação pelo clima, como um primeiro problema de adaptação de modelos raciais de análise. De acordo com Dante Moreira Leite, “a possibilidade de reunir as duas estaria na aceitação de uma determinação da raça através do clima, supondo-se que, depois de algum tempo, o clima viesse a criar uma nova raça.” No entanto, essa teoria ainda continua insuficiente na medida em que “a mesma raça, colocada em ambientes diferentes, apresenta características também diferentes.”

No âmago desse debate racial encontrava-se um projeto de conformação nacional. No Brasil e, em geral, na Iberoamérica, o próprio pensamento abolicionista tinha uma fundamentação mais embasada numa “razão nacional” como projeto do que propriamente em ideais de liberdade ou, muito menos, de igualdade racial. De acordo com José Murilo de Carvalho, ao contrário da argumentação filosófica e religiosa como recurso abolicionista na Europa e nos EUA, no Brasil, após a Independência, predominaram as razões políticas. “Os abolicionistas viam o problema do ponto de vista da nação,” contudo, nenhuma atitude radical foi tomada no sentido de libertação; a conformação “harmônica” da sociedade parecia-lhes mais adeqüada.

O escopo teórico racial, portanto, que marca a história das idéias no Brasil, entre os anos setenta do século XIX até o momento da redação do Retrato do Brasil, terá importância capital na obra de Paulo Prado. O autor irá reordená-lo e adaptá-lo na configuração de seu ensaio.

Para Prado, o mestiço representava a “astenia da raça.” No entanto, afirmava que a escravidão minou o organismo social, como já o havia previsto Joaquim Nabuco. Contudo, Eliana de Freitas Dutra chama a atenção para o fato de que Prado concordaria com a hipótese do branqueamento como empreendimento civilizatório e como remissão dos pecados coloniais. Segundo a autora, Paulo Prado valeu-se de uma imagem “orgânico-evolucionista” para explicar nosso fracasso como nação.

O único tipo racial formado no Brasil que deveria constituir um tipo puro foi o paulista, dos primeiros tempos. Não cabe entrar numa discussão regionalista, no entanto, Prado acreditava que o isolamento de homens fortes contribuiu para formar aquilo que Moritz Wagner classificou de “ilha de evolução” ou “centro de isolamento.” De acordo com Wagner, seria bastante provável que uma nova espécie se formasse tendo progenitores diferentes numa mesma localidade. Esses homens de ambição desmedida viveriam, segundo Prado, “num contínuo sonho de esperança, vítimas de uma espécie de loucura, forma aguda e crônica de uma doença que é a paixão do jogo.” Nos primeiros tempos, os paulistas teriam demonstrado uma disposição racial mais inclinada à superioridade. O fato é que Prado não chega a afirmar categoricamente mas fica subentendido que, na medida em que também os paulistas estabeleciam comunicação com outras regiões descobertas, tornavam-se mais fracos.

É importante deixar claro que a contribuição das teorias raciais ao Retrato do Brasil foi fundamental mas não determinante. Os rasgos do “racismo científico” que povoam a obra de Prado devem-se mais a um escopo teórico em voga no horizonte de idéias da época. De qualquer modo, Paulo Prado se aproxima desse campo intelectual sem, no entanto, ser contaminado pelo seu radicalismo. Isso equivale a dizer que a psicologia racial empreendida por Prado não é, em hipótese alguma, uma visão racista da história do Brasil. As contradições dessa obra são evidências suficientes para se afirmar isso. Paulo Prado, em Retrato do Brasil, adaptou essas teorias à sua obra e usou-as à sua maneira. Uma atitude antropofágica tipicamente Modernista.

O fluxo de capitais advindos do plantio e exportação de café trouxe para São Paulo uma modernização estarrecedora. A nostalgia, resquício de uma cultura romântica, era o referencial único dos que se sentiam perdidos em meio ao “vórtex metropolitano.” Com o fim da Primeira Guerra Mundial, São Paulo assistiu a um surto industrial sem precedentes na história do Brasil. A substituição de importações transformou a cidade na megalópole industrial brasileira.

Aliada a esse fremente fervilhar urbano, ocorre uma explosão cultural peculiar às grandes megalópoles. Sob o impacto das máquinas, deu-se o modernismo brasileiro. De acordo com Wilson Martins, o modernismo foi o “entre-guerras” do Brasil, dado que se inicia em 1916 com a influência do futurismo de Marinetti e culmina no 1° Congresso Brasileiro de Escritores em 1945. No entanto, essa periodização é simplesmente para fins de análise. Isso quer dizer que tal período não pode ser limitado por datas. Essas são as “pontas de icebergs”; simples, mas importantes marcos de orientação.

Paulo Prado, que desde o seu retorno da Europa fazia-se acompanhar pelos maiores expoentes da cultura paulistana, não ficou indiferente ao processo histórico. De acordo com Mário de Andrade, como o movimento modernista era nitidamente aristocrático, combinava perfeitamente com um aristocrata tradicional como Paulo Prado. É interessante notar neste trabalho que o autor vincula o modernismo à aristocracia rural cafeeira. Prado seria, como membro dessa aristocracia, o “fautor verdadeiro da Semana de Arte Moderna.” Mário de Andrade remete-se ao fato de Prado ter sido o principal responsável pela organização e financiamento da Semana.

Na construção do Retrato do Brasil, Paulo Prado refletiu na obra todas as aspirações do grupo modernista do qual foi o “fautor”. Desde o paradoxo fundamental – o momento em que o velho ainda não morreu e o novo não tem discernimento suficiente para buscar uma terceira margem –, até o objetivo central – responder à velha questão: quem somos? – o Retrato é uma construção tipicamente modernista. Suas contradições devem ser tributadas mais à tensão da época do que propriamente a um erro diletante. O que, de fato, também ocorria.

No entanto, Prado era herdeiro de uma tradição intelectual anterior ao modernismo. Seu escopo simbólico debitava-se ao patrimônio de seus antecessores. Devemos entender que Paulo Prado participava de uma rede de sociabilidade que implicava numa proximidade o horizonte de idéias de seu tempo e os homens que as produziram. Nessa perspectiva, segundo Ângela de Castro Gomes, “há uma relação necessária entre trabalho intelectual e tradição, sendo que uma tradição se reforça justamente ao modificar-se, ao ampliar a linhagem dos que dela se alimentam por convergência ou oposição.”

De acordo com Silviano Santiago, há um processo de continuidade de um discurso do tipo tradicional no modernismo. Estaríamos erroneamente inclinados a ver o modernismo como ruptura e não como permanência. “Há uma permanência sintomática da tradição dentro do moderno e do modernismo.” Santiago analisa a viagem a Minas realizada pelos modernistas em 1924 relacionando-a, não à busca do passado pátrio, mas de um passado como momento de representação estética primitivista. Uma atitude antropofágica que não deixava de almejar o novo, mas ainda ancorava-se no velho.

Estamos mais acostumados a encarar o modernismo dentro da tradição da ruptura, para usar a expressão de Octávio Paz, ou dentro da estética do make it new, de Pound, ou ainda da tradição do novo, de Rosenberg, e assim no infinito. A nossa formação esteve sempre configurada por uma estética da ruptura, da quebra, por uma destruição consciente dos valores do passado.

O autor modernista, para Santiago, receberia o discurso da tradição e lhe daria novo talento. O discurso histórico, nesse sentido, aos olhos modernistas, é uma valorização do nacional e do primitivo na estética textual. O tempo e a memória dentro dos autores modernistas adquirem a importância de uma analogia com o presente. O que não deixa de ser um traço neoconservador.

O mal romântico é um criador de tristeza para Paulo Prado. Sua busca por um mundo utópico tornou-o um devaneio de poetas e revolucionários. O Romantismo foi um potencializador da melancolia, agiu reativando os vícios das origens mestiças do Brasil. A solução encontrada pelo autor, não menos romântica, foi reencontrar o passado em ritmo modernista.

A ambivalência do discurso de Prado, ao caracterizar a melancolia brasileira, deve-se a um esforço para adequar concepções teóricas distintas. Mesmo quando sabemos da sobrevivência do discurso tradicional nas obras de caráter modernista, não deixa de causar espanto a forma como Paulo Prado resolveu esse problema. A tensão provocada a partir disso, foi, sem dúvida, a razão principal da caracterização melancólica do povo brasileiro. A vinculação da psicologia coletiva à raça, recheada de idéias primitivistas, possibilitou esse tipo de análise. Ser triste, para Prado, era a sina de uma raça/cultura em plena evolução. A dor derivada desse sentimento era a loucura romântica recalcada pelo ideal moderno.

Acreditamos que o pessimismo debitado a Paulo Prado, em Retrato do Brasil, deve-se mais a uma visão “realista” da formação do caráter nacional brasileiro em oposição a uma visão ufanista da nacionalidade. A razões do edenismo já foram apontadas por José Murilo de Carvalho como evidência da falta de orgulho das instituições nacionais. A visão satânica da nacionalidade brasileira estaria, portanto, ligada à inadequação do elemento humano ao cenário paradisíaco tropical. “A esta inadequação poderíamos chamar, por oposição à razão edênica, e com algum exagero, de razão satânica.”

Somos levados a afirmar, como já o fez Dante Moreira Leite, que a “introdução da perspectiva realista na literatura representou, no Brasil como em outros países, uma visão pessimista do homem.” Decorre daí que a visão pessimista ou “satânica” de Paulo Prado faz parte do horizonte intelectual de sua época. As contradições que poderiam colocar em xeque essa tese só demonstram a sobrevivência do discurso da tradição no pensamento modernista.

O pessimismo analógico de Paulo Prado pode ser considerado como uma interpretação, no mínimo, bastante original da realidade brasileira. Do ponto de vista de Paulo Prado, a um aristocrata membro da oligarquia cafeeira paulista, restou a interpretação de um cenário em ruínas. Na verdade, a tristeza do brasileiro, também se reinventa dentro de um grupo através de seu membro letrado.

A representação da tristeza na obra de Paulo Prado, como já demonstramos, tem relação com o surgimento de uma nova mentalidade “vinda do seio do caos metropolitano e formada nele.” De fato, desde o início da República, a oligarquia cafeeira já sentia essa mudança pelo viés da abundância. Numa espécie de desabafo anterior ao Retrato, no texto O martírio do café (1927), Paulo Prado denuncia amargurado a ineficiência da política de valorização do café:

Veio, assim, a crise. Uma safra monstro, já em franco declínio de preços, ameaçou de morte a indústria cafeeira. Os mercados, prevendo uma oferta exagerada, retraíram-se e reduziram as ordens de compra. Era a catástrofe iminente, a ruína de milhares de fazendeiros. Foi quando o governo paulista, pela primeira vez, se interessou pela sorte do café. Ideou-se uma intervenção oficial e deu-se-lhe um nome novo: valorização. Começava o martírio.

Nesse sentido, Paulo Prado parece relacionar a melancolia à perda ou mesmo à falta de algo que elevaria a raça/cultura brasileira aos padrões objetivados pelo autor. Em um texto que Prado parecia desconhecer, Luto e melancolia (1915), Freud condicionava esses sentimentos a uma perda objetal – luto – ou relativa a um objeto – melancolia. Segundo Freud, “a melancolia está de alguma forma relacionada a uma perda objetal retirada da consciência, em contraposição ao luto, no qual nada existe de inconsciente a respeito da perda.” A decadência do café significou, no Brasil, uma troca de poderes. Os antigos padrões culturais também mudaram. Restava um mar de incertezas quanto ao porvir. A perda de referenciais em Paulo Prado, de acordo com a obra de Freud, é evidentemente um sentimento de grupo. Em sua “comunidade de sentido”, os significados já estavam confusos. Na busca Modernista pelo novo, Prado ressentia-se da ineficácia dos padrões tradicionais.

Em Retrato do Brasil, Paulo Prado desconstrói o edenismo de Afonso Celso com uma ou duas frases tomadas de empréstimo a Monteiro Lobato no conto Urupês (1918). Tanto em uma – “Numa terra radiosa vive um povo triste” – quanto em outra – “viveram tristes, numa terra radiosa” –, o descontentamento de Prado mostra-se implacável. De que adianta ter um país maravilhoso se nele concorre todo tipo de degeneração racial e, conseqüentemente, de ordem moral? Essa é a questão principal que implica, no Retrato do Brasil, uma resposta bastante pessimista para um final desesperançado: “a confiança no futuro, que não pode ser pior do que o passado.”

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História(s)

Como não enlouquecer com a monografia!

Sábado, 11 de Julho de 2009

Retrato do Brasil, Paulo Prado

Esse livro foi uma surpresa para mim.

À procura de um livro que substituísse minha primeira escolha para fazer uma análise historiográfica para a cadeira de Historiografia Brasileira, encontrei um pequeno livro na prateleira da biblioteca: Retrato do Brasil.

Até aí eu não sabia nada de Paulo Prado, nada mesmo. Minha surpresa foi ao ler as resenhas e a cronologia, ambas presentes nessa edição do livro, e descobrir que ele foi um dos grandes que proporcionaram a Semana de Arte Moderna de 22.

No colégio, quando a gente estuda mais a Semana pelo movimento literário, que acaba por abordar o artístico (leia-se: quase praticamente Tarsila do Amaral, por ser casada com Oswald de Andrade nessa época)e morreu aí. Na academia também não paguei cadeiras que abordassem melhor... se quiser saber, que corra atrás.

Bom, nesse livro/ensaio Paulo Prado defende a tese de que a tristeza faz parte do carater do brasileiro, e aí ele é generalista. Como ele é apaixonado pelo período colonial, ele começa contando como os descobridores/aventureiros são os culpados, os transmissores dessa tristeza. Movidos pela cobiça do ouro e pela luxúria da sensualidade, contaminaram essa terra paradisíaca, e disseminaram esses gens com a mestiçagem. Além de construir ao longo da obra sobre a tristeza, dedica um capítulo completo à ela. E conclui trazendo a tona o mal do romantismo, que teria encontrado o campo perfeito para se disseminar aqui.

O interessante do Retrato é lê-lo e compará-lo à identidade de "felizes por natureza", certo que a tese hoje em dia, como na época, merece críticas. Mas o estilo narrativo é digno de admiração.

O organizador dessa edição, Carlos Augusto Calil, fez bem ao destacar que essa obra foi deixada em esquecimento por mais de 20 anos. E foi mesmo. Mas não me custa nada propagandear uma leitura agradável e rica em informações e notas.

Duas das suas principais influencias foram Capistrano de Abreu e Eduardo Prado, seu tio. Tendo Capistrano lido de antemão e feito críticas e correções a seu discípulo Paulo Prado.

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Um bom livro sobre Paulo Prado é Tiete, Tejo e Sena como mostra o artigo abaixo

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Paulo Prado, café e modernismo

Carlos Eduardo Ornelas BERRIEL. Tietê, Tejo, Sena: A Obra de Paulo Prado. Campinas: Editora Papirus, 2000, 248 páginas.

André Botelho*

       Em outubro de 1943, perguntava-se Gilberto Freyre (1900-1987): “Que poderei acrescentar aos necrológios que os jornais vêm publicando sobre Paulo Prado?” Não apenas “um ou outro traço de recordação pessoal” como enuncia, mas, na verdade, uma imagem aparentemente enigmática sobre o autor de Retrato do Brasil (1928): “Paulo Prado foi realmente um dos casos mais curiosos do Dr. Jekyll e Mr. Hide que já houve no Brasil”. A duplicidade da personalidade do autor paulista? “seu nome associado ao mesmo tempo ao “movimento modernista” e ao Departamento Nacional do Café” (FREYRE, 1981: 92). O desafio de desvelar esta imagem foi aceito por Carlos Eduardo Ornelas Berriel e constitui o motivo, como aquilo que põe em movimento, do seu Tietê, Tejo, Sena: A Obra de Paulo Prado.

Com este livro Paulo Prado é retirado da espécie de limbo a que estava relegado quer como intérprete do Brasil, quer como agitador cultural. Tietê, Tejo, Sena singra, por assim dizer, a obra e trajetória intelectual de Paulo Prado fazendo emergir do seu interior as dimensões intelectuais, estéticas, sociais e políticas das suas teses revelando-lhes a feição como expressão particular de um tempo histórico e de uma classe social: a oligarquia paulista do café nos anos de 1920-30. Nesse movimento, vai expondo algumas das fissuras, ambigüidades e contradições constitutivas mais características do modernismo. Pois, como sugere Berriel seguindo a indicação de Mário de Andrade (1893-1945), “sem ser artista ou poeta, sem ser o propositor central dos padrões renovadores de expressão – embora fosse conhecedor e opinasse a respeito – Paulo Prado foi justamente quem deu expressão social ao Modernismo, o que significa dizer que deu o sentido de movimento às experiências até então isoladas dos modernistas” (BERRIEL, 2000: 86).

A tese central do livro diz respeito ao problema da “dimensão de continuidade” que o modernismo comporta, mas que freqüentemente tem sido negligenciado em favor do “ato de ruptura” que os autores e as obras que pretenderam aparecer como representantes da época – e que em grande medida valem ainda hoje como tais - praticaram. Continuidade que, como chama a atenção Berriel, reside não tanto nos aspectos propriamente literários ou plásticos, mas principalmente nos “aspectos programáticos que unem visão social e intencionalidade estética decorrente” (IDEM, 2000: 11). Assim, Berriel coloca em questão a idéia de que ruptura estética não implica necessariamente na de transformação social como muitos modernistas e estudiosos do modernismo entendiam. E, enfatiza o autor, se “o desejo de unir ruptura estética com transformação social tocou os segmentos de maior generosidade do Modernismo, não o fez da mesma forma para outros setores – sem que, entretanto, estes percam sua força de representatividade com relação ao movimento” (Ibidem).

Sem intenção de ser exaustivo, apontarei três pontos que me parecem fundamentais para o autor demonstrar sua tese. Cumpre esclarecer desde já que os aspectos gerais que serão apontados não estão de modo algum destacados um do outro, mas, seja dito a favor de Tietê, Tejo, Sena, articulados na sua própria estrutura narrativa que, na verdade, segue a linha de raciocínio e de exposição do próprio autor analisado. Assim, sua narrativa oferece ao leitor um retrato particularmente vivo de Paulo Prado, das suas idéias, do seu tempo histórico e das sociedades paulista e brasileira por ele vislumbradas.

O primeiro ponto que gostaria de destacar é o deslocamento operado em Tietê, Tejo, Sena da questão das influências intelectuais mais ou menos manifestas nas idéias de um autor do terreno da mera alegação para o da demonstração efetiva. Tomando um conjunto de teses como referência e recriando-as segundo sua perspectiva particular, Paulo Prado constituiu-se, como mostra Berriel, num elo de ligação fundamental entre os modernistas e a geração anterior de Eduardo Prado (1860-1901). A matéria-prima dessa relação foi extraída, a despeito do bovarismo francófilo corrente, por um lado, de um conjunto de teses originalmente desenvolvidas pelos intelectuais que integram a chamada Geração de 70 da literatura portuguesa, particularmente por J. P. Oliveira Martins (1845-1894); e, por outro, no plano interno, não apenas das idéias do célebre tio Eduardo, como do debate historicista de Capistrano de Abreu (1853-1927) com a historiografia tradicional do Instituo Histórico e Geográfico Brasileiro.

O segundo ponto diz respeito ao resgate de vários episódios culturais como prelúdios da Semana de 22 nos quais Paulo Prado também teve atuação decisiva: a “Exposição de Pintura e Esculturas Francesas”, no hall do Teatro Municipal de São Paulo, e a montagem da peça “O Contratador de diamantes” de Afonso Arinos (1868-1916). Ambos os eventos são de 1919 e, enquanto o primeiro constituiu para Berriel um momento exemplar da “modernização da consciência artística e cultural”, o segundo o foi em termos da valorização de um passado histórico de grandeza dos clãs paulistanos, de valorização do Brasil e criação de uma mitologia da identidade nacional. É desse modo que esses eventos condensam a “grande extroversão das idéias modernas no campo das artes, chamada de Semana de 22, acompanhada do empenho de valorização da cultura tradicional popular e da busca de matrizes arquetípicas da vida histórica e da sensibilidade nacional” (IDEM, 2000: 72).

        O terceiro ponto refere-se à Semana de Arte Moderna de 1922 propriamente dita. Aqui o núcleo da análise de Berriel está na articulação, e não apenas na contraposição, de uma das questões políticas fundamentais dos anos 20, isto é, a questão da unidade nacional, com a questão cultural da ruptura estética. Articulação que se evidenciaria na adoção da idéia de “Renascença” como paradigma da Semana, pois segundo a sugestão de Paulo Prado no artigo “Brecheret” publicado em 1924 na Revista do Brasil, então sob sua direção, ela teria inaugurado entre nós o sentimento de inquietação e independência que é característico da nova feição do espírito humano” (IDEM, 2000: 98).
       A linha de raciocínio e de exposição de Paulo Prado, como nos mostra Berriel, conduz a questão da unidade nacional enquanto o “problema magno” da formação brasileira. Sabendo-se que para Paulo Prado os “males do país” seriam dados sobretudo pela sua condição de origem racial, a unidade nacional acaba por assumir conteúdos sociais específicos na sua obra: “é produto da falta de vitalidade desta sub-raça que é o brasileiro” (IDEM, 2000: 211). Comenta Berriel:

foi a mescla da escuma turva das civilizações européias, com o índio lascivo acumpliciado pelo deserto, e com o negro envenenado pela escravidão, e ele próprio expressão acabada da corrupção dos costumes - esta mescla torpe, enfim, a origem de todos os males da vida nacional. Ora, o que Paulo Prado quererá dizer com a frase “quando tudo está errado, o melhor corretivo é o apagamento de tudo que foi mal feito”? A conclusão evidente é que ele pensava na alteração, por vias de exceção, da fonte destes males. Administrar as raças. Eugenia? Extermínio? Apartheid? A ausência de concreta resolução destas indicações também possui o seu interesse. Incapacidade de ir ao cabo de suas próprias indicações? Esta incapacidade poderia estar além da dimensão individual, pessoal, de Paulo Prado: dever-se-ia à própria incompletude da burguesia brasileira, da qual ele seria a ponta mais avançada, mais reveladora, mais argumentada desta classe - mas guardando as características básicas da mesma: a incapacidade de ir ao fim de suas inclinações resolutivas (IDEM, 2000: 214-5).

        O próprio convite para se pensar o modernismo paulista como uma “nova Renascença” estava diretamente associado à função social precisa que, segundo Paulo Prado, a Semana havia cumprido na vida nacional: não apenas ter rompido com os ”males espirituais do passado” -  na verdade com a hegemonia cultural do Rio de Janeiro - mas, principalmente, por representar a “base cultural de uma nova fase da vida brasileira”. Diz Berriel: 

O conceito de Renascença será empregado por Paulo Prado com sentido que excede a função retórica. Foi este movimento e esta época a ruptura radical com uma forma de vida e com uma mentalidade historicamente datadas, ruptura esta gerada pela emergência de uma nova forma de vida social e de uma nova mentalidade. Tomar como paradigma esta grande fratura histórica é interesse e referência construídos intencionalmente por Paulo Prado: seu ponto de chegada é a afirmação de que a Semana cumpre este mesmo papel para a vida brasileira (IDEM, 2000: 97).

       Ora, os conteúdos sociais dessa “Renascença” para Paulo Prado, sempre segundo Berriel, estariam ligados naturalmente ao passado paulista, ele próprio fruto da colonização do “português heróico da Renascença” com o “índio perfeitamente adaptado ao meio, o mameluco”. Afirmação apologética da sua própria classe, as particularidades que compunham o “tipo paulista” resistiam, no entanto, apenas na aristocracia rural que, segundo Paulo Prado, através da economia do café, havia regenerado São Paulo: “o café reencontraria o homem da Renascença - e neste reencontro sua autonomia e particular modernidade” (IDEM, 2000: 148).
       Somente de São Paulo, então, em flagrante contraste com o restante do Brasil - cuja configuração racial seria formada pelas três “raças tristes”: negro escravo, índio lascivo e português da decadência pós-1580 – poderia se esperar um futuro autônomo e moderno, justamente, é claro, porque “afeito ao veio tradicional de desenvolvimento deste complexo histórico: o bandeirante, o café, o paulista” (IDEM, 2000: 101). Assim, tomando as distintas composições raciais de São Paulo, por um lado, e do restante do Brasil, por outro, como base histórica e ontológica da diferença irreconciliável entre as duas partes, Paulo Prado chega a tese da necessária separação política entre São Paulo e o Brasil. Aqui se coloca, segundo Berriel, o “ponto laboriosamente planejado” por Paulo Prado: a sugestão de que o modernismo paulista, enquanto Renascença, apresenta (para Paulo Prado) um “caráter intrinsecamente separatista” (IDEM, 2000: 204).

Esta talvez seja a questão destinada a suscitar mais polêmica em Tietê, Tejo, Sena. E embora desenvolvido com perícia em relação à lógica interna da obra de Paulo Prado, isto é, em relação às categorias através das quais ele opera e fundamenta sua interpretação do Brasil, creio que o argumento ganharia mais em contundência se explicitasse a tese paulopradiana em função do contexto político de crescente tensão entre regional e nacional que caracteriza a crise do pacto oligárquico da Primeira República.

Estamos assim face a questão central do livro: as implicações do caráter oligárquico na interpretação do Brasil do modernista Paulo Prado. Num contexto intelectual ainda marcado pela relativa confusão entre método e objeto, Tietê, Tejo, Sena penetra com sensibilidade admirável no método de interpretação histórica adotado por Paulo Prado de modo a retirar dele, em seu emprego arbitrário, a própria concepção sobre o papel social do intelectual que o fundamenta. É nesse sentido que Berriel pode mostrar a inclinação abertamente programática para a vida brasileira do método de interpretação histórica de Paulo Prado sem assimilá-lo mecanicamente, como uma redução ordeira, à dimensão de classe do seu pensamento.

O autor argumenta que, embora haja na obra de Paulo Prado a presença de um corpo de idéias geradas no interior de uma família – talvez de modo único entre os autores brasileiros - que ajuda em parte a configurar sua dimensão oligárquica e aristocratizante, o fundamental é perceber que a “originalidade não reside nesta condição básica de classe, mas sim nos dois elementos pressupostos: o primeiro, por ser um pensamento organizado com certo rigor ideológico, com coerência interna, e em segundo pelo fato deste pensamento ter continuidade, desdobrar-se e ter efetiva função social” (IDEM, 2000: 18). Nesse sentido Berriel contribui, sobretudo, para o esclarecimento da apropriação oligárquica das idéias modernas como mecanismo social fundamental de uma sociedade conservadora formada sob a escravidão, o que acaba por transformá-las no seu contrário. Pois através de Paulo Prado, a noção de “modernidade” assume, no limite, o papel de argumento de poder e de manutenção do status quo:

Paulo Prado não necessitava, enquanto método, do Impressionismo, já que as águas de que bebia eram mais do Tejo do que do Sena. Mas há um fator de prestígio não desprezível em jogo, e ser moderno para Paulo Prado - já o sabemos - é decisivo: somente os paulistas o eram. Esta situação enquadra e, em grande parte, define Paulo Prado: usa os recursos de prestígio - arte moderna é prestígio e legitimidade - mas age com relação a ela como o Brasil age com relação às idéias liberais: não as perde de vista, mas não as pratica; ou só as pratica após deformá-las, como ocorreu com o Impressionismo (...) a arte moderna no Brasil se torna prerrogativa paulista, e sua realização uma “missão étnica e protetora”. Paulo Prado não aceita as idéias liberais, mas aceita a arte moderna após convertê-la em elogio da superioridade racial paulista. Age arbitrariamente com relação ao Impressionismo (assim como agiu com relação ao Romantismo), arranjando a vida literária e artística de modo a que sirvam a seu propósito. A referência à Geração de 70 - fator real de anacronismo - é necessidade de sua base ideológica, de seu ponto de partida histórico-social: dela depende o elogio do latifúndio (IDEM, 2000: 159-160).

Não sendo de modo algum modestas, estas não são, contudo, todas as contribuições do autor. Há em Tietê, Tejo, Sena sobretudo uma sólida formulação teórico-metodológica com contribuições não apenas para o campo da teoria literária, de um lado, ou para a sociologia – e o pensamento social brasileiro em particular -, de outro, mas também para os emergentes estudos de história intelectual. Quanto ao método, sua contribuição está sobretudo na demonstração de que a tensão entre as tradicionais abordagens “interna” - centrada exclusivamente na obra - e “externa” - cuja ênfase volta-se mais para aquilo que de diferentes perspectivas se entende como sendo o “contexto” de uma obra e/ou para a trajetória biográfica ou intelectual dos seus autores -, não se deva encaminhar inevitavelmente para algum tipo de resolução, posto que, na verdade, tal tensão é constitutiva da própria matéria que cabe ao analista ordenar.

       Carlos Eduardo Berriel revela, em suma, elementos senão de todo insuspeitos, certamente até então insuficientemente explorados do complexo processo de renovação cultural do país nos anos de 1920 como parte fundamental do debate político sobre o sentido que a sociedade brasileira tomava em meio às transformações mais amplas daquele momento. Assim, com Tietê, Tejo, Sena, os interessados pelos novos temas e linguagens que os anos 20 trouxeram estamos desafiados a repensar a relação conciliatória entre idéias e estéticas modernas com a autoridade tradicional que elas pareciam buscar romper. Abusando das metáforas pode-se dizer então que Tietê, Tejo, Sena afigura-se, num certo sentido, um “caminho do mar” que se lança - de modo original e desafiador - nas águas nada calmas, diga-se de passagem, que caracterizam o programa crítico de se “especificar um mecanismo social, na forma em que ele se torna elemento interno e ativo da cultura” (SCHWARZ, 1977: 24). E este desafio, admiravelmente assumido por Tietê, Tejo, Sena, constitui ainda hoje um dos legados mais radicais e fecundos do ideário modernista.

BIBLIOGRAFIA

BERRIEL, Carlos Eduardo Ornelas. Dimensões de Macunaíma: filosofia, gênero e época. Tese de Mestrado. Departamento de Teoria Literária/IEL/UNICAMP, 1987.

_____________________________. Tietê, Tejo, Sena: A Obra de Paulo Prado. Campinas: Papirus, 2000.

FREYRE, Gilberto. Pessoas, coisas e animais. Organização de Edson Nery da Fonseca. Porto Alegre e Rio de Janeiro: Globo, 1982.

SCHWARZ, Roberto. Ao Vencedor as batatas. São Paulo: Duas Cidades, 1977.

  • Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), Professor recém-doutor do Departamento de Sociologia da UFRJ e autor de Aprendizado do Brasil: a nação em busca dos seus portadores sociais (2002).
  • Reference: FamilySearch Family Tree - SmartCopy: Apr 22 2021, 18:53:26 UTC
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Paulo da Silva Prado's Timeline

1869
May 20, 1869
São Paulo, São Paulo, Brazil
June 24, 1869
Se, São Paulo, São Paulo, Brasil
1890
March 29, 1890
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil
1943
October 3, 1943
Age 74
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil
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