

A formação do povo brasileiro como hoje o conhecemos tem início com o processo de colonização portuguesa nas primeiras décadas do século XVI. A miscigenação foi sempre um traço decisivo, se apresentando desde os primeiros contatos entre os portugueses e os indígenas nativos das terras brasileiras, assim como se observaria a partir da chegada de negros africanos trazidos ao Brasil para realizar trabalhos em regime de escravidão.
A obra “Genealogia Paulistana”, de Luiz Gonzaga da Silva Leme, tem o casamento do náufrago português João Ramalho com a índia Bartira (Isabel Dias) como ponto de referência para a descrição genealógica de dezenas de destacadas famílias que ocuparam São Paulo e deram origem aos bandeirantes que iniciaram a colonização das terras do interior do Brasil. Outro lendário náufrago português, Diogo Álvares Correia, o Caramuru, uniu-se, na Bahia, à índia Paraguaçu Catarina Álvares Paraguassu, filha do chefe dos tupinambás da região, deixando larga descendência.
Esse padrão de união de homens portugueses com mulheres indígenas foi muito comum durante vários séculos. Sendo assim, para revelar de forma mais precisa a influência genealógica dos indígenas na formação do povo brasileiro é necessário usar dados que meçam a ancestralidade da população brasileira por linhagem materna. O trabalho do Prof° Dr. Sergio D. J. Pena, intitulado "Razões para banir o conceito de raça da medicina brasileira. História, Ciências, Saúde" p. 321-46, apresenta dados que afirmam que 33% dos brasileiros que se declaram brancos têm ancestralidade indígena por linhagem materna.
Pedro Doria, na obra 1565 - Enquanto o Brasil Nascia, p. 248, assim se manifesta: 'Durante mais de década, os paulistas tiveram medo de uma mera visita sua, como se sua presença fosse capaz de incutir nos índios um desejo de liberdade e revolta que pudesse quebrar o tênue equilíbrio social. A comunidade do Rio e de São Paulo era profundamente incoerente. As índias eram suas mulheres, seus filhos eram mamelucos, falavam tupi mais que português e seus escravos eram índios. Há quem olhe com estranheza para a África onde negros escravizavam e vendiam negros. O sul brasileiro não foi em nada diferente.'
Eunícia Fernandes, em seu artigo Irmão Que Vem do Mar, publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional, n. 100, p. 28-29, assim comenta: 'Mas há pistas de que a percepção dos índios sobre os conquistadores estava mais próxima da humanidade europeia. Durante muito tempo os nativos se utilizaram de uma estratégia mal compreendida pelos portugueses. Além de considerarem os índios preguiçosos, os registros lusos dizem que as índias eram dadas à sensualidade e se ofereciam aos europeus. Como ninguém estava interessado em saber o que pensavam esses índios, não se considerou que a ideia de preguiça disseminada pelo colonizador era uma recusa fundada na divisão de papéis masculinos e femininos: a agricultura era uma atividade feminina e os índios não queriam assumi-la nas roças portugueses. Do mesmo modo, o 'oferecimento' das mulheres refletia um dos principais mecanismos de fortalecimento de alianças entre grupos nativos, por meio de casamento. Um chefe era poderoso pelo número de filhas que possuía, pois elas seriam uma importante moeda na consolidação de alianças guerreiras. Como os registros indicam a estratégia de aproximação das mulheres índias, o mais correto é imaginarmos que, na percepção dos nativos, os portugueses não eram divindades, mas talvez homens poderosos com os quais valia a pena fazer aliança.'
Atualmente, menos de 0,5% da população brasileira pertence a civilizações indígenas. Isso resulta, basicamente, de uma colonização que massacrou esses povos, mas que também absorveu seus elementos transmitindo-lhes, ou muitas vezes impondo-lhes, o seu legado civilizatório. Contudo, o fato de que um terço da população branca brasileira descende, por linhagem materna, de indígenas é um indicador que demonstra a enorme importância que esses povos tiveram para a formação do povo brasileiro.
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